AS DIFICULDADES DA ALFABETIZAÇÃO NAS SÉRIES INICIAIS: SERÁ UM PROBLEMA DE MÉTODO?

Uma abordagem da alfabetização (Emília Ferreiro)
O trabalho de Emília é de fundamental interesse para quem se preocupa com o progresso do individuo ao se deparar com a alfabetização, ou melhor, com a aprendizagem da leitura e da escrita (lecto-escrita). Ela certificou-se de que os caminhos para “reinventar” a escrita são os mesmos para todas as crianças, independente da classe social. Ela considera a criança um ser cognoscente na medida em que busca a aprendizagem dos conceitos da escrita.
Emília Ferreiro não criou nenhuma metodologia específica, contudo, cabem a nós, educadores, buscar a melhor maneira de ajudar nossas crianças a construir sua aprendizagem e adaptar nossa prática metodológica à teoria comprovada pela pesquisadora.
Conhecer a pesquisa de Emília Ferreiro e Ana Teberosky é de suma importância para o professor para que possa entender o processo e a forma pelos quais a criança aprende a ler e escrever, para detectar e entender os “erros construtivos” característicos das fases em que encontra a criança e para saber desafiar seus alunos, levando-os ao conflito cognitivo, ou seja, forçando a criança a modificar seus esquemas assimiladores frente a um objeto de conhecimento não assimilável, aparentemente.
Maria Alice S.S. (1991), cita os estudos de Emília Ferreiro que possibilitaram desviar o centro do trabalho que era o professor, para o ser que aprende e sua relação com o objeto de aprendizagem:
Para ser assimilada, a informação deve ser integrada a um sistema previamente elaborado (ou a sistema em processo de elaboração), não é a informação, como tal, que cria conhecimento. O conhecimento é resultado da construção de um sujeito cognoscente conhecido. (p.10).
Um professor pode se tornar um mediador quando ele conhece as concepções que a criança desenvolve a respeito da língua escrita e quando propõe atividades que levem a criança a “desestruturar” o pensamento.
Quando alguém se alfabetiza, percorre uma longa trajetória à qual é dado o nome de “psicogênese da alfabetização”. A psicogênese se caracteriza, neste caso, por uma seqüência de níveis de concepção dos sujeitos que aprendem. Esses níveis são ligados a uma hierarquia de procedimentos, de noções e de representações, determinadas pelas propriedades das relações e das operações em jogo. Em cada nível, a criança elabora suposições a respeito dos processos de construção da leitura e da escrita, baseando-se na compreensão que possui desses processos. Assim, a mudança de um nível a outro só irá ocorrer quando ela se deparar com questões que o nível em que se encontra não puder explicar: ela irá elaborar novas suposições e novas questões e assim diante, por isso, o processo de assimilação dos conceitos é gradativo, o que não exclui “ida e vinda” entre os níveis.
Níveis conceptuais lingüísticos descritos por Emília Ferreiro.
  • NÍVEL PRÉ-SILÁBICO: Neste nível, escrever corresponde a reproduzir os traços típicos que a criança identifica como escrita. Para a criança, nesse momento, a escrita é uma forma de desenhar, não se estabelecendo nenhuma correspondência entre a pauta sonora e a produção escrita; supõe que a escrita representa os objetos e não seus nomes; usa letras de seu nome ou letras e números numa mesma palavra; faz registros diferentes entre palavras modificando a quantidade, a posição e a variação dos caracteres; caracteriza uma palavra com uma letra inicial; tem leitura global, individual e instável do que escreve, supõe que para algo ser lido tem que ter no mínimo três letras (hipótese da quantidade mínima de caracteres); supõe que para algo poder ser lido precisa ter grafias variadas (hipótese de variedade de caracteres); não existe uma relação entre fonema e grafema; cada letra pode valer pelo todo e não tem valor em si mesma; a criança só escreve substantivos por terem significados.
  • NÍVEL INTERMEDIÁRIO I: Essa fase caracteriza-se por um conflito. A criança já conhece e usa alguns valores sonoros convencionais, além de alguns trechos da palavra; só demonstra estabilidade ao escrever seu nome ou palavras que teve oportunidade e interesse de gravar. Esta estabilidade independe da estruturação do sistema de escrita; começa a desvincular a escrita das imagens e o número das; conserva as hipóteses de quantidade mínima e da variedade de caracteres; começa a ter consciência de que existe algum relação entre a pronúncia e a escrita.
  • NÍVEL SILÁBICO: Nessa fase, a criança já conta os pedaços sonoros (sílaba) e coloca um símbolo ( letra) para cada pedaço; já aceita palavras com uma ou duas letras, mas com certa hesitação; utiliza uma letra para cada palavra ao escrever uma frase; falta definição das categorias lingüísticas (artigo, substantivo, verbo, etc); maior precisão na correspondência som/letra, mas não ocorre sempre; o essencial nessa fase, é a sonorização da escrita, já supõe que a escrita representa a fala; pode ter adquirido, ou não, a compreensão do valor sonoro convencional das letras; já supõe que a menor unidade da língua seja a sílaba; o sujeito desse nível resolveu temporariamente o problema da escrita, mas vai se defrontar, mais cedo ou mais tarde, com o problema da leitura. Saber escrever, mas não poder ler, o que foi escrito, é fator gerador do conflito de passagem para o nível posterior.
  • NÍVEL SILÁBICO-ALFABÉTICO OU INTERMEDIÁRIO II: É mais um momento conflitante, pois a criança precisa negar a lógica do nível silábico. É a passagem da hipótese silábica para a hipótese alfabética. É o momento em que se começa a acrescentar letras principalmente na primeira sílaba; estabelece que partes sonoras semelhantes entre as palavras se exprime por letras semelhantes. Nesse nível existem duas formas de correspondência entre sons e grafias: silábica (sílaba é o som produzido por uma só emissão de voz) e alfabética (análise fonética e/ou análise dos fonemas, que são os elementos sonoros da linguagem e tem nas letras o seu correspondente); compreende que a escrita representa o som da fala; combina só vogais ou só consoantes, fazendo grafias equivalentes para palavras diferentes; pode combinar vogais e consoantes numa mesma palavra, numa tentativa de combinar sons, sem tornar, ainda, sua escrita socializável; passa a fazer leitura termo a termo.
  • NÍVEL ALFABÉTICO: Nesse nível a criança transpõe a porta do mundo e das coisas escritas. Consegue ler e escrever o que pensa e fala; compreende a lógica da base alfabética da escrita ; compreende que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba; conhece o valor convencional de todas as letras, formando sílabas, palavras e frases, mas, às vezes, ainda não divide a frase correspondência entre fonemas e grafias; compreende que uma sílaba pode ter uma, duas ou três letras; pode omitir letras quando mistura a hipótese silábica com a alfabética. Estar no nível alfabético não significa ainda saber escrever corretamente, nem do ponto de vista ortográfico nem do ponto de vista léxico. Este é o marco que Emília Ferreiro advoga como critério básico da alfabetização.
A intervenção da escola nesse processo permeia simultaneamente a teoria e a prática, e esse é o grande desafio do professor, isto é, entender como deve ser sua atuação junto ao processo de cada criança, tendo um embasamento teórico por trás.
Nesta perspectiva, é necessário um trabalho de auxílio aos docentes por parte de especialistas e psocpedagogos escolares, no sentido de auxiliar e incentivar os professores a inovarem suas teorias, a buscarem novas práticas para sua sala de aula, principalmente, quando enfrentam problemas de aprendizagem dos alunos.